A
memorável história de uma rainha
Augusto Cury do livro Filhos brilhantes , alunos fascinantes.
Sofia era
uma professora de filosofia muito preocupada com o caráter dos seus alunos.
Gostava de ler jornais, mas volta e meia estourava um escândalo na imprensa
envolvendo corrupção de políticos, vantagens em licitações, fraudes, tráfico de
influência. Sabia que havia líderes sérios e comprometidos com a sociedade, mas
tinha consciência de que somente uma safra de jovens transparentes, amantes da
honestidade e fiéis à sua consciência poderia mudar os pilares da sociedade.
Certa vez, mais um escândalo estourou na imprensa envolvendo o presidente do
país e seus principais assessores. Ela ficou preocupada com as conseqüências
desse escândalo no inconsciente coletivo da juventude. Poderia desanimá-los a
se tornarem líderes sociais, a não terem esperança na sua nação e poderia até
bloquear seus sonhos.
No outro dia, perguntou o que os alunos pensavam dos políticos. A visão
pessimista dos jovens a assustou. Uns responderam que era a melhor maneira de
ganhar dinheiro,outro disse que raramente algum presta e ainda outros diziam que
todos eram farinha do mesmo saco. Alguns ainda disseram que, quando crescessem,
queriam ser políticos, para levar vantagem em tudo.
Preocupadíssima, ela disse que corrupção havia em todos os países, o que
diferia era a freqüência e intensidade do procedimento.
— Uma pessoa corrupta — disse ela — é egocêntrica, individualista, não tem
tranqüilidade, possui uma dívida impagável com sua própria consciência. Uma
pessoa corrupta nunca será um grande líder social, pois não é líder de si
mesma.
Querendo treinar o caráter dos seus alunos, ela contou-lhes uma fascinante
história que mudaria para sempre a visão de muitos deles.
Há muitos
anos um poderoso e inteligente príncipe queria encontrar a mulher da sua vida.
Seu pai estava doente e ele estava para se tornar rei. Porém, não queria errar
na escolha, afinal de contas a jovem com quem se casaria se tornaria a rainha.
Sonhava que quem reinasse com ele fosse gentil, dócil, amável e principalmente
transparente.
O maior medo do futuro rei era de que a mulher com quem se casasse valorizasse
mais seu reino do que ele mesmo, mais os privilégios da corte e seus tesouros
do que o seu amor. Os ministros do reino consideravam a preocupação do príncipe
imatura. Alguns o achavam frágil e pouco inteligente, indigno da coroa.
Consultou os sábios para saber como não errar nessa decisão tão importante. Os
sábios disseram que ele deveria casar-se com uma jovem riquíssima do próprio
reino ou, melhor ainda, deveria desposar a filha de um poderoso rei de outra
nação. Assim, alargaria suas fronteiras.
O reino estava envolvido em disputas internas malévolas. Devido à doença do
rei, alguns ministros, generais, coletores de impostos aproveitaram a situação
para se corromper, disse a professora de filosofia. Em seguida, adicionou:
— A falta de liderança é um canteiro para o individualismo.
Escolher a futura rainha era importante para manter a unidade
do reino. Muitos achavam que se o príncipe não mostrasse
inteligência para encontrar sua esposa, não teria inteligência
para governar seu reino.
Encontrando a resposta na natureza
Desanimado com os conselhos que lhe deram, o príncipe saiu pelos campos a
pensar. Depois de horas de meditação, caiu-lhe algo na cabeça. Levou as mãos
para ver o que era e ficou fascinado, era uma semente amarela e pequena. De
repente, veio-lhe a euforia, pois encontrara sua resposta. Parecia embriagado
de alegria.
Resolveu promover uma festa para que as moças interessadas em casar-se com ele
pudessem apresentar-se. Foram convidadas jovens de vários outros reinos, bem
como as do seu território, especialmente as mais ricas.
Trabalhava no castelo, como serva, uma senhora que tinha uma linda e singela
filha, chamada Priscila. Quando comunicou a Priscila que o príncipe iria
casar-se e que ele daria uma grande festa para escolher a noiva, ela disse que
se apresentaria como candidata. Priscila o admirava sem o conhecer
pessoalmente, pois sua mãe sempre contava sobre a bopdade, simplicidade e
inteligência do jovem herdeiro.
Urna mulher rica do reino, cuja filha participaria do concurso, ficou sabendo
da intenção de Priscila. Chamou-lhe a mãe e, com arrogância, disse-lhe:
— Sua filha está delirando, sonhando com o impossível!
A filha de uma serva jamais poderá ser uma rainha. É contra
os princípios.
Profundamente
entristecida, mas achando que essa mulher estava correta, a mãe de Priscila
comentou as frases cortantes que ouvira. A jovem, abalada, rebateu:
— Mamãe, nós somos pobres, mas somos seres humanos!
O dinheiro compra carruagens, mas não compra a felicidade,
compra roupas tecidas com fios de ouro, mas não compra o
valor de uma pessoa — falou a jovem com dignidade.
Apesar de ser pobre, Priscila queria ser tratada com dignidade. Sabia que não
tinha chance nenhuma de ser a escolhida, mas queria aproveitar a oportunidade
para ficar perto do príncipe. Amava um desafio. Ela possuía uma beleza interior
que contagiava as pessoas. Muitas jovens ricas gostavam de ficar perto dela.
— Priscila tinha três jóias que valiam mais que
diamantes: simplicidade, generosidade e transparência -
disse Sofia. E perguntou para toda a classe: — Quais dessas
jóias vocês possuem?
Os alunos ficaram pensativos. Em seguida, a professora continuou contando sua
história. Disse que algumas jovens filhas de lordes eram boas alunas, conseguiam
notas altas nas provas, mas simulavam seus comportamentos. Ninguém sabia o que
elas realmente pensavam ou sentiam. Gostavam de se exaltar e contar vantagens,
em busca das migalhas dos aplausos. Algumas mentiam até para si mesmas.
Entre essas jovens estavam Helena e Barbie. Ela conheciam Priscila e tinham
inveja dela, não admitiam que , filha de um camponês com uma empregada do
palácio fosse tão sociável e cativante. Duas semanas antes do concurso, elas a
encontraram e a estimularam a participar dele. Pareciam estar sendo generosas.
Na realidade, estavam simulando sua verdadeira intenção. Queriam que Priscila
fosse zombada publicamente, Um desafio aparentemente simples
O grande
dia chegou. Centenas de jovens finamente trajadas estavam no saguão do grande
palácio. Ao ver Priscila e observar seu vestido de cima a baixo, algumas jovens
não contiveram seu sorriso de deboche. Aparentemente seu vestido era o mais
simples e o mais feio. Helena e Barbie se aproximaram uma da outra e disseram:
— Coitada! Descobriram a boba da corte.
Priscila
ouviu que estavam zombando dela e entendeu afinal qual era a verdadeira
intenção delas.
De repente, ao som de trombetas, o príncipe apareceu com seus ministros,
generais e sábios do reino. Todas as jovens suspiraram. Ninguém sabia o que as
aguardava. Nem os que rodeavam o príncipe sabiam como se daria o processo de
escolha. Um momento solene de silêncio se fez. Subitamente o príncipe abriu a
boca e aos brados lançou um desafio:
— Cada uma de vocês receberá uma semente para ser
cultivada. Daqui a três meses darei um grande baile. Aquela
que me trouxer a mais linda flor será a escolhida para ser a
rainha — disse o príncipe com singeleza e espontaneidade.
Todas as moças acharam estranho o desafio do príncipe. Era muito simples a
tarefa. Animadas, a maioria saiu do palácio convicta de que receberia a coroa.
Os sábios e os ministros do reino menearam a cabeça achando que realmente o
jovem era despreparado para governar. Jamais viram um príncipe tão ingênuo e
destituído de inteligência. Um cargo tão grande merecia um desafio à altura,
pensaram.
Várias pretendentes, julgando-se espertas, entenderam que o príncipe pretendia
na verdade era que o estilo dos cabelos, das vestes e dos movimentos do corpo
fossem tão belos como uma flor.
O drama de Priscila
Priscila pegou a sua semente, plantou-a num vaso e, apesar de pouco entender de
jardinagem, cuidava da terra com muita paciência e ternura. Sonhava com a
planta que nasceria e com a belíssima flor que dela surgiria. Às vezes,
libertava sua imaginação e sentia até seu perfume.
Passou-se uma semana e a planta não nasceu. Priscila ficou preocupada. Regava
mais ainda, deixava cair a cada hora algumas delicadas gotas de água. Duas
semanas se passaram e o broto não surgiu. A moça esmerou-se ainda mais nos seus
cuidados. Aconselhou-se com pessoas experientes.
Alguns jardineiros disseram que a semente não nasceu porque ela colocou muita
água, outros, adubo em excesso, e ainda outros porque compactou demais a terra
do vaso. Todos foram unânimes em dizer que, independente da causa, se a semente
não eclodiu em quinze dias dificilmente nasceria. Desesperada, via seu sonho
cada vez mais distante. Apesar da frustração, não conseguia dissipar seu amor
pelo príncipe.
Um mês se passou e o vaso continuava sem vida. Enquanto derramava as gotas de
água, as gotas de lágrimas também caíam no recipiente. Dois meses se passaram e
seu coração estava partido. A flor não brotou e seu coração se entristeceu.
Sofia fitou os olhos dos seus alunos e disse-lhes:
— Algumas pessoas aconselharam que ela plantasse outras sementes. Afinal de
contas, ninguém descobriria.
O que
vocês fariam? Plantariam outras sementes? Vale a pena obter o sucesso a
qualquer preço?
Alguns na
classe acharam que não havia mal algum em plantar outra semente. Segundo eles,
os fins justificam os meios. Mas Priscila rejeitou essa idéia.
Três meses se passaram e o pequeno vaso continuava estéril, sem vida. Vendo-a
abatida, as pessoas próximas aconselharam que ela jamais retornasse ao
concurso. Todos sabiam que Priscila era gentil, mas, ao mesmo tempo,
determinada e teimosa. Depois de muito meditar e de estar consciente de que fez
de tudo ao seu alcance, disse, para espanto de todos, que iria ao baile e
levaria seu vaso, mesmo sem planta.
— É loucura! — diziam os amigos.
— Será um vexame! — diziam os parentes.
Sua mãe fez um último esforço para ela não retornar ao palácio. Vendo a dor da
mãe, Priscila derramou novamente algumas lágrimas que borraram a sua maquiagem
e molharam seu vestido simples. Para consolar a mãe, disse-lhe:
- Poderei passar vergonha mais uma vez, mamãe, mas serei honesta comigo mesma.
Não consegui cultivar a semente e vou assumir meu erro.
Quando chegou ao baile, perturbou-se muitíssimo. Viu todas as outras
pretendentes segurando vasos com as mais lindas flores, uma mais linda do que a
outra. Os vestidos combinavam com as cores das pétalas. Era algo sublime.
Ao ver Priscila, mais uma vez, várias pretendentes debocharam dela. Dessa vez o
deboche foi mais aparente. Deram gargalhadas incontroladas, não apenas porque
não possuía jóias e seu vestido era simples e fora de moda, mas porque seu vaso
não tinha flor não possuía vida. Humilhada, começou a entrar em pânico e pensou
em desistir.
De repente, as cornetas tocaram triunfalmente. Todas ficaram em profundo
silêncio. Quando o príncipe chegou, elas suspiraram. Ele pediu para que elas
formassem filas. Elas, eufóricas, enfileiraram-se. O príncipe se aproximou de
cada uma delas. Olhava para seus olhos e para a formosura da flor. Em seguida,
perguntava seus nomes.
Quando chegou diante de Priscila e viu o vaso sem flor e seu vestido com gotas
de lágrimas, meneou a cabeça e nem sequer seu nome perguntou. As moças que
estavam próximas colocaram seus lenços na boca para que não se ouvisse o som
das suas risadas.
Os líderes do reino observavam atentamente os gestos do príncipe e se
entreolhavam. Depois de três horas, e de analisar flor por flor, o príncipe
sentou-se no seu trono. Em seguida, pediu que as moças fizessem uma grande roda
no salão nobre do palácio. Disse que sua decisão tinha sido tomada e que a
jovem que ele tirasse para dançar seria a escolhida.
Além das moças e dos líderes do reino, havia reis e nobres na lateral do salão
torcendo por suas filhas. Chegou o grande momento.
As pessoas transparentes fazem a diferença
A professora de filosofia, mais uma vez, dirigiu-se aos seus alunos e
perguntou:
— Quem o príncipe escolheria? Que parâmetro usaria para encontrar sua rainha?
Os alunos ficaram perdidos. Não tinham respostas. Estavam ansiosos para saber
qual era a decisão. Sofia continuou. O príncipe foi para o meio do salão.
Passou seus olhos sobre a roda de mulheres e, para surpresa de todos, foi até a
jovem que não tinha flor nenhuma no vaso, beijou suas mãos e, emocionado,
disse-lhe:
— Qual seu nome?
Com os
lábios trêmulos, ela lhe disse:
— Priscila.
— Minha rainha! Priscila, você aceita dançar comigo e
ser minha esposa? — falou com suavidade.
Priscila caiu em prantos. Todos estavam perplexos. O burburinho foi geral.
Ninguém entendeu sua atitude. Os ministros e sábios achavam que o príncipe
estava delirando. Os generais pensaram que ele estava brincando.
Então, calmamente, explicou em voz alta:
— Para se tornar uma rainha, é preciso cultivar uma flor
muito especial: a flor da transparência, da cumplicidade, da
honestidade diante de si mesma. Sem tal característica não é
possível amar, governar, liderar, ser fraterno e justo. Todas as
sementes que entreguei a vocês eram estéreis e delas não poderia
nascer uma flor. Portanto, a única pessoa que foi transparente,
enfrentou sua vergonha, frustração, deboche e provou seu amor
incondicional por mim foi a Priscila.
Em seguida, num momento de rara inspiração, ele completou:
— Seu vaso não precisa de flor, pois ela representa a flor
que não nasceu.
Os sábios do reino ficaram boquiabertos, jamais viram tanta sabedoria. Os
ministros, rígidos e interesseiros, ficaram assombrados com a inteligência de
seu rei. Entenderam que estavam diante de um dos homens mais sublimes que já
conheceram. Os demais presentes, inclusive a maioria das outras pretendentes
caíram em aplauso. Aplaudiram a inteligência do rei e a sensibilidade e
transparência da rainha.
Priscila foi generosa com quem a maltratou, foi delicada com quem a perseguiu.
Foi digna da coroa que carregava em sua cabeça, porque já havia um tesouro em
sua personalidade.
Sabia que uma rainha não era mais importante do que um súdito, pois conhecia a
dignidade de cada ser humano.
Vários alunos na classe também estavam emocionados. Nesse clima de comoção, a
professora Sofia lhes disse:
— Nunca se esqueçam de que se vocês quiserem brilhar como alunos, como filhos
e, no futuro, como excelentes profissionais e como líderes sociais, precisam
cultivar todos os dias a flor da transparência.
A professora pegou um giz, dirigiu-se ao quadro-negro e escreveu:
Bons alunos escondem certas intenções, mas alunos fascinantes são
transparentes.
Eles
sabem que quem não é fiel à sua consciência tem uma dívida impagável consigo
mesmo. Não querem, como alguns políticos, o sucesso a qualquer preço. Só querem
o sucesso conquistado com suor, inteligência e transparência. E completou
dizendo que, quem desenvolver o hábito da transparência, será um excelente
debatedor de idéias, superará a timidez, refinará a sabedoria, influenciará
pessoas, brilhará profissionalmente e mudará os rumos da sociedade. Ainda se
alguns tentarem enterrar suas idéias, não se esqueçam de que as idéias são
sementes e o maior favor que se faz a uma semente é enterrá-la.
Em seguida, num golpe de reflexão, a professora acrescentou que muitos
políticos, empresários, líderes de instituições estão despreparados para
assumir o poder. Quando assumem o poder se transformam, se tornam orgulhosos,
inatingíveis, inacessíveis e, diferente de Priscila, negam as suas raízes,
esquecem de onde vieram.
— Quem
ama o poder e não o poder de amar não é digno de ser um líder — finalizou.
Os alunos ficaram assombrados com essas palavras. Alguns saíram atônitos da
escola. Alguns prometeram para si mesmos que com respeito e gentileza jamais se
calariam, seriam debatedores de idéias durante toda a sua vida.
Os anos se passaram e do pequeno grupo saíram alguns grandes líderes sociais,
pessoas que lutaram contra injustiças, batalharam contra todo tipo de
discriminação, influenciaram pessoas e mudaram os rumos da sociedade.
Augusto
Cury do livro Filhos brilhantes , alunos fascinantes.