Os valentões estão por toda parte à espreita de um alvo ideal para
agredir, manipular, dominar — nas famílias, nas empresas, nas escolas,
nos mais diversos contextos sociais. O desejo de poder, aceitação e
status social no grupo somado à ausência de limites, respeito,
tolerância e empatia têm produzido em larga escala a violência contra
determinadas pessoas ou grupos. No entanto, por falta de conhecimento ou
precipitação, muitos estão relacionando tais comportamentos ao
bullying, sejam atos de opressão e agressão, críticas sobre atuação de
atletas, artistas e políticos, sejam problemas familiares, ambientais e
estruturais.
Bullying não é isso que muitos insistem em divulgar. A generalização
tem comprometido o entendimento do fenômeno e, por conseguinte, sua
identificação, acompanhada de intervenção e procedimentos adequados.
Portanto, não se deve confundir com bullying a ação dos valentões no
meio familiar, sendo esta tipificada como violência doméstica ou
intrafamiliar. O mesmo ocorre em relação ao ambiente laboral, onde a
ação dos valentões é tipificada como assédio moral. Ações agressivas ou
violentas contra grupos específicos podem ser exemplificadas como
xenofobia, homofobia, cristofobia, etc.
No
ambiente escolar não é diferente. O termo bullying também vem sendo
utilizado nas mais diversas situações que envolvem docentes e discentes.
Não raro, é empregado em situações de indisciplina, conflitos, desacato
ao professor, brincadeiras inconsequentes ou inconvenientes,
incivilidades, depredações e pichações de prédios e até mesmo quando
determinados alunos são corrigidos ou disciplinados pelos profissionais
da escola.
Esse termo deve ser empregado para exemplificar comportamentos
agressivos ou violentos entre pares, independentemente de estarem
iniciando a escolaridade ou concluindo a universidade. A definição
amplamente aceita diz que tal prática compreende todas as atitudes
agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação
evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando
dor e sofrimento, sendo executadas em uma relação desigual de poder,
tornando possível a intimidação da vítima.
Embora sua identificação seja mais comum no ambiente escolar, também
ocorre em outros espaços fora da escola frequentados pelos jovens, como
ambientes virtuais, escolas de idiomas, de futebol, academias, shopping
centers, clubes e condomínios residenciais, entre outros. Se o bullying
não for compreendido, tenderá a se tornar um problema social de difícil
solução, como vem ocorrendo nos Estados Unidos, onde já é considerado
pelas autoridades americanas como uma grave crise e classificado pelas
entidades de defesa dos direitos humanos como um problema sem solução.
Identificar o bullying entre os alunos não é tarefa simples, por se
tratar de uma forma de violência bastante específica. Muitas vezes, os
ataques não podem ser visualizados, ou seja, são desprovidos de
materialidade, e as vítimas não têm como comprová-los, o que gera
incompreensões e inconformismos. O autor pode utilizar formas mais
veladas e silenciosas, como gestos, olhares, expressões fisionômicas,
bilhetes com mensagens humilhantes ou ameaçadoras, além dos ataques
virtuais, que costumam ocorrer onde não há a supervisão dos adultos.
Os estudos internacionais têm demonstrado que os meninos são os maiores
praticantes de bullying, utilizando-se mais da agressão direta, física e
verbal, enquanto as meninas utilizam-se da agressão indireta, por meio
de ofensas morais e exclusão social. Outra diferença que deve ser
destacada é que as meninas costumam atacar em grupos, enquanto os
meninos agem individualmente. Em geral, há uma “líder ou mentora” que
planeja e dá início ao processo de vitimização, respaldada por um
círculo social que a incentiva e auxilia. A vítima é sempre rechaçada
por suas colegas, e o objetivo é eliminá-la do convívio social. Para
isso, comumente se observam fofocas, comentários maldosos, xingamentos e
mentiras. Contudo, ainda que em menor grau, as meninas também se
utilizam de maus-tratos físicos.
Para
identificar o bullying, é necessário reconhecer seus critérios e
diferenciá-lo daquilo que faz parte do processo de socialização ou de
algo natural da infância e da adolescência. Não é bullying o ato de
fazer brincadeiras pontuais engraçadas, inconsequentes ou irritantes.
Não é bullying a emissão de comentários ou opiniões divergentes,
discussões ou brigas, entre outras possibilidades inerentes às relações
interpessoais. Não são bullying os conflitos ou ofensas pontuais, que
resultam em mágoa ou raiva passageira.
Para que uma ação seja diagnosticada como bullying, é imprescindível
que contenha os seguintes critérios: repetição das agressões contra o
mesmo alvo, desequilíbrio de força ou poder entre as partes,
intencionalidade nas práticas agressivas, ausência de motivos por parte
das vítimas e prejuízos resultantes.
As consequências do bullying afetam a todos os envolvidos. Dependendo
da gravidade da exposição e das características individuais daquele que é
exposto, bem como de suas relações com os meios em que vive,
principalmente quanto ao suporte familiar e escolar, ele conseguirá
superar ou não o trauma da vitimização. Quando isso não for superado, a
vítima poderá isolar-se socialmente, como estratégia de evitar as
agressões ou de fugir do problema. Pode apresentar na vida adulta
dificuldades relacionais, insegurança, ansiedade, baixa autoestima,
nervosismo, agressividade, apatia, sintomas depressivos e fobias.
Algumas vítimas tendem a reproduzir a vitimização no local de trabalho,
praticando o assédio moral, ou na família, praticando a violência
doméstica ou intrafamiliar.
Estudos têm demonstrado que as consequências recaem tanto sobre as
vítimas quanto sobre os autores, e seus efeitos são observados a longo
prazo. No caso de manterem o comportamento agressivo, os opressores
terão problemas no futuro no que concerne ao desenvolvimento e à
manutenção de relações positivas. Os agressores, por sua vez, terão
maior tendência para comportamentos de risco do que seus colegas não
agressores, podendo envolver-se no consumo de tabaco, álcool e drogas.
Por
outro lado, o comportamento agressivo pode solidificar-se com o tempo,
comprometendo as relações afetivas e sociais, além da aprendizagem de
valores humanos, como a solidariedade, a empatia, a compaixão, o
respeito a si mesmo e ao outro, o que afetará as diversas áreas de sua
vida. Muitos tendem à depressão, ao suicídio, à autoflagelação, ao
envolvimento em delinquência, ao abuso de drogas e à criminalidade.
Futuramente, também podem cometer violência doméstica e assédio moral no
trabalho.
Para saber se um aluno é vítima de bullying, deve-se primeiramente
observar seu comportamento e seu envolvimento. É preciso cautela para
não rotular ou se precipitar na identificação. A vítima costuma
retrair-se ou isolar-se socialmente. Apresenta comportamento ansioso,
deprimido ou irritadiço. Falta com frequência às aulas, sem
justificativas convincentes. Perde a concentração e o entusiasmo pelos
estudos, podendo ter uma queda acentuada no rendimento escolar, além de
queixas frequentes de dores (como de cabeça e de estômago) e de febre, o
que o faz pedir para sair mais cedo ou ausentar-se das aulas.
Da mesma forma, para saber se um aluno pratica bullying, é necessário
observar seu comportamento. Mais uma vez, é preciso ter cautela para não
se deixar levar por estereótipos ou equívocos na identificação. Em
geral, o praticante apresenta características peculiares de
comportamento que o diferenciam dos demais colegas, como irritabilidade,
agressividade e impulsividade. Suas atitudes abusivas, intimidadoras e
prepotentes despertam a atenção dos adultos da escola. Precisa sentir-se
notado, chamar a atenção para si, conquistar popularidade e temor. Está
constantemente envolvido em confusões e desentendimentos; subjuga,
domina, constrange, humilha e persegue os mais tímidos e vulneráveis.
Desafia, desrespeita, provoca, perturba o ambiente escolar e irrita seus
colegas. Pode ter maior estatura e força física do que a vítima, o que
certamente lhe facultará a dominação. Todavia, pode ter menor estatura e
força física, porém emocional e socialmente pode estar em vantagem, já
que muitos do grupo apoiam suas ações.
Antes de tratar o tema com os alunos, recomendo que os docentes
informem-se sobre o assunto. As escolas devem implantar programas
antibullying, compostos por um conjunto de estratégias interventivas e
preventivas, contemplando a participação de toda a comunidade escolar e a
inserção em seus projetos pedagógicos. Quanto mais cedo a criança
aprender valores condizentes com uma cultura de paz, mais cedo saberá
respeitar as diferenças e conviver com elas.
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Cléo Fante é pedagoga, historiadora e vice-presidente
do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying
Escolar (Cemeobes).
cleofante@terra.com.br
Fonte de pesquisa: http://www.grupoa.com.br/site/revista-patio/artigo/
Artigo páginas 25-27
Muito bom texto amiga, hj em dia tudo virou bullyng, as pessoas não estão praticando o discernimento e a falta de informação está generalizando comportamentos no cotidiano escolar, assim fica difícil mesmo lidar com o problema! Acho interessante que na minha infância eu era chamada de Vara Pau, Siriema, Girafa, magrela kkkkk e nada disso me traumatizou rsrsr Bjoooss
ResponderExcluirExcelente post Lourdes.
ResponderExcluirEsse é um assunto importante para pais e escola. Está havendo uma banalização sobre o tema, tudo vira bulliyng e por outro lado poucas ações acontecem de maneira preventiva seja em casa ou na escola. E ações graves não podem ser tratadas como brincadeiras de mau gosto. É preciso conhecer o assunto para podermos ter intervenções eficazes.
Beijo